Hospital Termal / Parque / Mata— dividir o indivisível

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Hospital Termal / Parque / Mata— dividir o indivisível

Manuel Nunes

Tive recentemente um sonho, em que estava a viver num velho país europeu, com uma longa história e numa cidade que evoluiu na sequência das condições da água que existia junto a um importante Castelo. Com o evoluir dos tempos esta “charca” milagreira, atraiu cada vez mais pessoas, até dar origem a um Hospital Termal (HT), e a uma cidade com perto de 35.000 habitantes. Hoje, por falta de dinheiro ou de sabedoria, os “senhores” responsáveis do Estado, dividiram o património, ficando com algumas partes e alugaram outras, por bom preço à Câmara Municipal.

Para entender esta questão, fui procurar ajuda de quem saiba e para isso, desloquei-me ao HT, quando ao passar pela Igreja de Nº. Sr.ª do Pópulo tive a “aparição” de uma especialista na matéria, que se ofereceu para tentar decifrar o problema. Sofia é o seu nome, que significa sabedoria ou a “sábia”, o que atualmente é um bom sinal.

Em primeiro lugar gostaria de lhe perguntar se concorda com a divisão do património?

R: Não, e quem pensar fazê-lo, sabe pouco da evolução das Caldas da Rainha. Por exemplo no Museu do Hospital e das Caldas, encontra-se um valioso espólio, reunido ao longo de cinco séculos de existência de grande significado para a História da cidade. O Museu é o único que verdadeiramente conta a história da cidade, de um Hospital com características únicas, de toda uma região, não esquecendo até o enquadramento que tem a nível de história da saúde nacional e europeia. Poderia até referir-lhe, por exemplo, o “Livro do Compromisso”, mandado lavrar pela Rainha em 1512, faz algum sentido que seja “separado” do seu objeto de estudo: o HT? Não há justificação, a mesma propriedade ficar, com “gestões” diferentes.

Então Dr.ª Sofia, neste caso o Museu também é fundamental neste processo?

R: O Museu é muito importante porque “conta” a história da fundação do HT e da então Villa de Caldas da Rainha. Essa é uma particularidade da nossa história, porque, primeiro tivemos um Hospital que foi mandado construir por ordem da Rainha Dª. Leonor, com início a 22 de janeiro de 1485 e só depois (1511), temos a constituição da Villa de Caldas da Rainha, por necessidade de fixar recursos humanos que garantissem o funcionamento necessário ao Hospital. Assim, a relação Hospital/Caldas da Rainha cidade é indissociável. O Hospital precisou da cidade para funcionar e por outro lado, o Hospital garantiu à cidade os recursos económicos e sociais que permitiram que crescesse. Esta relação que ainda hoje assistimos é por isso secular, justificando-se pela duplicidade de poderes instalados Câmara/Hospital. A história é portanto comum, sendo impossível que se conte uma parte apenas.

No que diz respeito à gestão, como se poderá resolver a ligação dos vários setores?

R: Olhe, essa questão tem a ver com o facto dos múltiplos núcleos fazerem parte atualmente da visita ao Museu e com entidades gestoras diferentes, mais difícil será a sua articulação, para além de empobrecer a qualidade do conjunto existente. Já agora, gostaria de perceber o seguinte, se o HT fica na Câmara e o Museu no CHO, como é que o projeto se desenvolve? Quem coordena e financia?

Mas esta situação vai prejudicar o valor patrimonial existente?

R: Exatamente. Porque é essencial que se garanta uma articulação entre todos os espaços patrimoniais. É o seu conjunto que garante a valorização patrimonial dos mesmos. Perdendo-se essa unidade, perde-se a função de cada elemento no conjunto e o seu valor patrimonial. Em relação ao Museu, é essencial que se continue a garantir a possibilidade de visita a estes locais. Eles constituem-se como a parte viva da história que contamos, e isso é uma enorme vantagem a todos os níveis. Ter a oportunidade de visitar o HT, sentir o cheiro, o calor e o som das águas, as nascentes, é sem dúvida uma enorme mais-valia que ilustra tudo o que possamos ter contado anteriormente.

Há algum argumento que lhe faça perceber as vantagens desta divisão?

R: Deste modo, não se compreende. Veja o Museu do Hospital, já é uma estrutura com interesse fundamental na estratégia de desenvolvimento da cidade, em virtude, dos elementos que possui, do espaço que representa, da sua localização em relação a todos os outros edifícios e da sua centralidade, tem, por isso, todas as condições para constituir o futuro Museu da Cidade e ter ligação com outras valências, incluindo a Biblioteca Municipal e das escolas e ser um dos mais importantes espaços para centralizar a informação da História do concelho.

Acha bem esta situação, em termos estratégicos para o desenvolvimento do concelho?

R: Esta posição não tem lógica e considero ser um erro estratégico, a divisão do património, por isso, não se entende, não se ter feito tudo o que estaria ao nosso alcance, para que o mesmo ficasse indivisível. Deveria ter-se mantido o seu todo, e só se houvesse algo relacionado com o interesse municipal com um objetivo bem definido, como foi o caso da ESAD, aí sim concordo, porque existem evidentes mais-valias para as Caldas.

O que tem a dizer de o HT estar fechado e a degradar-se, por falta de investimento?

R: Sabendo da importância do efeito terapêutico da água termal não consigo compreender o facto de o Ministério se ter desinteressado de realizar investimento no HT, encontrando-se, agora degradado e fechado. Sobre essa situação considero curioso que nos autos a celebrar com a Câmara, se faça a exigência de ter de estar em bom estado de conservação, quando na sua entrega.

Considera que a cedência do património foi efetuada em boas condições?

R: Parece-me que existe algo que não está bem. O Estado é o detentor do património, e não o tem tratado bem, e agora está a cedê-lo à Câmara, mas a exigir investimentos, encargos e rendas muito avultadas, quando o que se deveria estar a tratar era do seu financiamento. Julgo que esta situação poderá colocar futuramente em causa o equilíbrio financeiro da autarquia, porque, por um lado, o governo legisla para que as autarquias locais não se endividem, mas, neste caso, está a pedir às Caldas que o faça.

Mas, Dr.ª Sofia se há todo este conhecimento, qual poderá ser o motivo para se realizar este processo desta forma?

R: Não sei, mas há certamente algum motivo plausível que foge há nossa compreensão. Parece-me que o verdadeiro motivo é …… quando a Dr.ª Sofia ia finalmente dar a conhecer a chave do problema, acordei do sonho em que me encontrava e fiquei a saber, que os autos de cedência já tinham sido aprovados na Assembleia Municipal. Depois de passar, em sonhos, uns momentos agradáveis na presença da Dr.ª Sofia, a ouvir a sábia explicação, de repente voltei à realidade fria dos acontecimentos vulgares do nosso burgo.

Manuel Mendes Nunes – Gazeta das Caldas, 30 de janeiro de 2015.


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